terça-feira, agosto 14, 2012

Balanço dos últimos seis meses

• António Correia de Campos, Tito Zagalo (I) [ontem no Público]:
    ‘Sempre que nos reencontramos, Tito Zagalo submete-me a um interrogatório curioso, incómodo, por vezes devastador. Quer saber a razão de tudo o que por cá ocorreu nos últimos seis meses. E nem sempre consigo dar-lhe respostas satisfatórias.

    Leitor voraz e ouvinte atento, interroga-me sobre a razão pela qual foi suspensa a construção do túnel do Marão, ao ler que a construtora frustrada exigia uma indemnização de cem milhões. Estava ainda convencido de que o comboio de alta velocidade de Lisboa a Madrid teria sido substituído por um outro de mercadorias. Tive dificuldades em lhe explicar que perderíamos 400 milhões de fundos das redes transeuropeias se não retomássemos a obra inicial, suspensa por um golpe de insanidade política e afinal, com um atraso de um ano, estaríamos em risco de perder os fundos europeus com tanta tergiversação. Não lhe consegui dizer se o comboio sai de Sines ou de Lisboa, embora ele me tenha perguntado para que queriam os espanhóis um comboio para Sines em vez do de Lisboa. Como tenho um amigo nos comboios, não tendo resposta imediata, prometi informar-me melhor. Logo depois, mostrou-me um diário que titulava que, afinal, os novos gestores da empresa que reabilitou as escolas secundárias validavam por inteiro as obras e custos dos seus antecessores, desfazendo o aviltamento a que, na opinião pública, a empresa havia sido lançada. Havia visitado duas dessas escolas construídas há sessenta anos e ficara maravilhado com a qualidade da reabilitação. Perguntou-me pela RTP, se já estava privatizada, como fora anunciado; estava a gostar da programação, embora a achasse parecida de mais com as outras. Lá lhe fui dizendo que depois de tanto ruído ainda nada havia acontecido e se previa, afinal, a simples privatização do segundo canal. Lamentou que se perdesse um inofensivo e económico canal, para cuja privatização lhe parecia não haver receita publicitária, para mais em tempo de crise. Lembrei-lhe que nos media, tal como na Saúde, é a oferta que induz a procura, nunca o contrário. Confessou-me haver já perdido a esperança de a RTP Internacional ser mais que uma mera adição do repositório pimba da produção artística nacional, tirando o futebol, sempre de primeira.

    Sentia-se ultrajado pelo alto preço dos combustíveis em Portugal. Lembrei-lhe que não éramos produtores e que a nossa dívida externa seria constituída por mais de 55% de encargos com a energia. Ainda embalado pela música do tempo de Sócrates, perguntou-me pelo carro eléctrico, pelas redes inteligentes, pelas fotovoltaicas. Tendo percorrido o litoral a partir de Lisboa, admitia que as eólicas estariam a progredir. Com alguma vergonha referi-lhe que as centenas de postos de recarga do carro eléctrico estavam abandonadas e ocupadas por estacionamento comum, que a fábrica de baterias de Cacia tinha ido pelo cano de esgoto, que a produção nacional de painéis fotovoltaicos se tinha esfumado, que a EDP desistira já de uma das barragens. Perguntou-me qual a posição oficial do Governo sobre as energias renováveis. Referi-lhe um documento estratégico que conhecia, que me não parecera mal elaborado, mas as contradições no discurso oficial, as perturbações causadas pela venda a terceiros da EDP e da REN e sobretudo a falta de entusiasmo haviam criado a noção de que as metas europeias seriam alcançadas de forma automática, sem mais incentivos. Perguntou-me se estávamos preparados para comprar aos EUA gás natural de óleo de xisto, a um quinto do preço dos contratos internacionais de longo prazo; a sua pátria adoptiva estaria a construir um megaterminal de exportação, cancelando os projectados terminais de importação. Referi-lhe que não parecia que a Europa estivesse mais sensível que Portugal. Enfim, íamos andando, a contar com a Rússia e o Norte de África.

    Quando passámos às contas públicas declarou-se surpreendido pela decisão do Tribunal Constitucional, por duas razões: não entendera por que razão ela fora necessária, quando afinal o Governo teria podido espalhar por todos o corte de subsídios, limitando-os a um só e mensualizando o segundo para efeitos anestésicos. E não entendera a razão por que ela teria sido limitada a um ano apenas. Ou sim ou sopas, declarou, peremptório. Perguntou-me se a composição decisória era uma decisão do judicial ou do executivo. Embrulhei-me na explicação das teorias da separação de poderes e da jurisprudência dos interesses. Estou certo de que o não convenci. Testemunhei a subida do Presidente na sua consideração pela forma como desafiara o Banco Central Europeu a passar das promessas aos actos e ficou boquiaberto pela ausência de reacção do Governo, o que sedimentava um linguarejar a duas vozes.

    Antigo bolseiro da Gulbenkian, ainda prenhe de temor reverencial pela instituição, estranhou a baixa classificação na comparação com outras fundações também avaliadas. Lá lhe respondi como pude: que teria havido um erro na sua inicial classificação como pública, por ter sido criada por decreto-lei, quando afinal era privada e ciosa da independência que havia sabido preservar, mesmo no regime autoritário. Quanto ao mérito da análise nenhum de nós reconhecia capacidade à inspecção financeira que fez as avaliações. Disse-me que, mesmo nos EUA, onde a tradição liberal é a regra, as classificações de universidades, estados, condados, hospitais, levantam sempre problemas e o único critério de rigor residia na independência, experiência, competência e universalidade de julgamento do avaliador. Perguntou-me como avaliava eu estes atributos na entidade avaliadora. Não consegui articular uma resposta.

    Tito Zagalo pretendeu ainda interrogar-me sobre as parcerias público-privadas rodoviárias, por não entender as apregoadas e tão facilmente alcançadas poupanças agora anunciadas, após renegociação. De onde vinham as poupanças? Da redução do valor do empréstimo, do prolongamento do prazo ou de redução de juros? Mostrou-se insatisfeito pela falta de explicações sobre a razão do aparente sucesso negocial. Perguntou-me ainda se a Justiça estava a funcionar melhor. Lembrei-me da admoestação ao Ministério Público, contida na sentença do caso Freeport e embora o soubesse leigo em direito, não consegui que ele entendesse como pode um tribunal "condenar" o instrutor por insuficiência investigatória.’

2 comentários :

Fernando Romano disse...

Excelente artigo Dr. Correia de Campos! E o ritmo e assertividade que lhe imprimiu!!! Parece que nem respirou. Não me admira que o terminasse agastado e revoltado.

Conceda-me a liberdade de considerar que escreveu este artigo direitinho ao Dr. António José Seguro.

Rosa disse...



Concordo plenamente com o Fernando Romano- Correia de Campos tem, aqui, uma excelente "peça" de jornalismo político, como já nos habituou.
Só a sua conclusão(F. Romano) me deixa alguma discordância...mas também acho que AJS não é uma "mente brilhante" como o PS necessitaria numa altura destas...