sábado, setembro 01, 2012

As crianças que "não servem para a escola"

Crato quer tornar o ensino profissional
um castigo para os maus alunos do ensino básico

• Pedro Adão e Silva, OS FILHOS DOS OUTROS [hoje no Expresso]:
    ‘Além de remeter para um modelo de ensino dual que caracterizou o salazarismo, com um insucesso que nos continua a perseguir, a proposta assenta também num equívoco muito disseminado e que é reproduzido acriticamente - a ideia de que com a transição para a democracia se acabou com o ensino profissional em Portugal. Esta falsidade confunde fim das escolas industriais e comerciais - uma boa decisão que começou a ser germinada pelo governo de Marcello Caetano - com transformação do ensino técnico.

    Em democracia, com nomes diferentes, é verdade, e com excesso de alterações de modelo, foi feito um enorme investimento no ensino vocacional. Hoje, estabilizado o sistema, a percentagem de alunos que frequenta a via profissional é elevada (cerca de 40% dos alunos do secundário) e esta via profissionalizante não tem já a imagem de parente pobre da escolaridade.

    A proposta do Governo, além de tornar muito precoce a possibilidade de optar por uma via profissional (em contratendência com todos os países com quem comparamos), tem um duplo efeito negativo. Ao mesmo tempo que desvaloriza o ensino profissional (passa a ser de novo uma opção para as crianças que "não servem para a escola"), significa, de facto, que o sistema educativo desiste de combater a chaga social que é o insucesso escolar.

    Numa só medida, o país desistiria de continuar a lutar contra o insucesso escolar com mais tempo de trabalho, maior acompanhamento em disciplinas nucleares como o português, a matemática e o inglês (ou as crianças da via profissional não teriam competências básicas nestas disciplinas, que são precisamente as que provocam maior insucesso escolar?) e tornaria o ensino profissional uma opção fácil, certificando "talhantes e canalizadores" sem competências básicas. No fundo, o país não só passaria a desistir dos filhos dos outros, como lhes reservaria uma segunda escolha.’

3 comentários :

Graça Sampaio disse...

Muito bom!

Anónimo disse...

É curioso: as crianças dum país são sempre "os filhos dos outros" quando o governo é constituido por filhos da mãe.

ana disse...

E onde é que já se viu, o mesmo ensino para ricos e pobres? É preciso separá-los desde cedo. Há 50 anos já era assim, os ricos iam para o liceu e os pobres para as escolas comerciais e industriais. As fornadas dos pobres ficavam prontas para um futuro radioso aos 15, 16 anos.