domingo, setembro 16, 2012

Sem michêrr nas gôrrdurass do Isstado (ou de como um bando de parolos passa férias no Rio)


Extracto da reportagem de Alexandra Lucas Coelho, intitulada A diva vulgar e a voz divina (no Público de 14 de Setembro), na qual se vê a importância da Caixa Geral de Depósitos nos Negócios (com) Estrangeiros de Paulo Portas:
    ‘Era uma daquelas noites em que a entrada principal parecia ter menos gente que a lateral: convidados dos dois governos, de instituições, de fundações e do patrocinador do espectáculo, a Caixa-Geral de Depósitos. Havia mesmo uma área VIP no restaurante com grande concentração de gravatas azul-celeste, como a do comissário português Miguel Horta e Costa.

    "Um abraço de boa noite a todos", diz ele ao pisar o palco, cumprimentando "este nosso querido Rio de Janeiro cheio de encantos mil". Anuncia "um Portugal moderno, inovador" na cultura, na economia, na ciência, no desporto, que certamente "vai surpreender o Brasil". Fala das relações históricas, de "como dizia Fernando Pessoa, a língua é a nossa pátria comum" e "como dizia Vergílio Ferreira, da minha língua vê-se o mar", "tanto mar para navegar como disse Chico Buarque de Holanda". Remata: "Vamos navegar nesse mar." E chama o administrador da Caixa-Geral de Depósitos para "dirigir umas palavras".

    Nuno Fernandes Thomaz entra desenvolto, dois mil espectadores de olhos nele, teatro lotado da plateia à galeria: "Quando o meu caro amigo Miguel Horta e Costa planeou esta magnífica noite a primeira coisa que fez foi ir à Caixa Geral de Depósitos. Porquê? Porque é o maior grupo económico de Portugal. Um abraço à doutora Deborah Vieitas, nossa administradora-executiva no Brasil." Palmas. "A Caixa mexe com as pessoas, com as empresas, com o país. E falando em mexer..." Repete "michêrr", continua com sotaque brasileiro: "Quando eu era bem garotinho vivi sete anos nessa cidade..." E agora aqui está, "anfitrião de um dos maiores músicos do Brasil e da grandiosa diva da música portuguesa, a grande Mariza". Remate: "Espero que vocês também se comovam e se mexam com essa noite aqui."

    A voz de Mariza aparece antes dela, no escuro: "Estás a pensar em mim, promete, jura..." Logo depois deste primeiro fado, já no centro do palco, vestido negro de cetim até aos pés, a primeira declaração: "É um pra-zer eno-rme es-tar aqui, nes-ta ci-da-de ma-ra-vi-lh-osa, o Rio-de-Janeiro, que sa-be aco-lher me-lhor que nin-guém." Separa bem as sílabas.

    No segundo fado senta-se no palco, intimista. Ao terceiro ataca o Barco Negro em ritmo de bateria, com holofotes a rodar frenéticos por todo o teatro, género show de luz & som. Volta à conversa com o público, pergunta se a entendem: "Siiiiiimmmm..." Tenta falar "brasileiro". "Pois é. Este ano é um ano de comemorações fantásticas, Ano de Portugal no Brasil e Brasil em Portugal..." Lembra que "este ano vimos o nosso fado ser elegido Património Imaterial da Humanidade", explica o que quer dizer fado, que alguns musicólogos acham que é um triângulo entre Portugal, África e Brasil, que em Portugal os músicos têm esse legado, mas também tentam novas formas. Até porque "Portugal não é só a mulher de bigode e o padeiro, isso já passou!". E "apesar da economia estar um pouco cinzenta", Portugal "é um país que está agarrado à sua modernidade também".

    De gala como se estivesse na sua sala, passeia, gesticula. Diz que "estes últimos 11 anos" de vida em que tem cantado "Portugal, o fado" lhe fizeram sentir "que a música é universal". Anuncia que vai "mostrar porquê". E canta o fado anterior todo em "brasileiro": "Aqui adôrrrmici pêsádámêntchi..." A galeria onde a repórter está sentada treme com a reacção: "BRAVO!"

    Segue-se uma guitarrada (destaque para José Manuel Neto na guitarra portuguesa) e Mariza convida toda a gente a cantar o fado seguinte, Rosa Branca. Será o mais longo momento-Xuxa da noite, com a diva a instruir o teatro por camadas, desde a galeria à plateia, franzindo a testa a uns e encorajando outros. "Como estão os meus amigos do terceiro andar?" Levanta a cabeça cá para cima. "Façam um pouquinho de barulho para a gente ouvir cá em baixo!" A galeria obedece. "E os do segundo andar?..." "E os do primeiro andar?..." "E os do rés-do-chão?..." É quase o teatro dos amiguinhos da Xuxa.

    Mariza fala de uma prima nordestina, imita-lhe o sotaque. "Por isso eu acho que Portugal e Brasil não têm distância. Isso não existe. Vamos cantar todos juntos." E abana o traseiro justo de cetim, pede palmas. "DIVA!", grita a galeria. A repórter começa a receber sms de amigos brasileiros na plateia a pedir socorro.

    Solo de bateria. Mariza prepara a despedida. Mas será apenas a primeira de várias ameaças. Tempo para um tributo: "Duas cantoras que amo de paixão..." Clara Nunes e Elis Regina. A repórter espera que a alma de Elis esteja ocupada com alguma roda de samba da eternidade, algum churrasco gaúcho. Mas o teatro: "BRAVO!" E a fadista pede mais palmas. E o teatro levanta-se. E os sms amigos: "Nunca mais acaba???"

    Não. Mariza ainda conta de como começou a cantar fado na taberna dos pais, na Mouraria. "E fui cantando, cantando, cantando, a alma do povo português." Mais: "A gente da minha terra são todos vocês, que tentam entender a cultura do meu país." Vai para a plateia apertar mãos. Faz que sai, mas afinal volta. Apela a nova ovação. Despede-se outra vez: "Despeço-me mais uma vez agradecendo ao nosso grande banco português Caixa Geral de Depósito."’

4 comentários :

Fernando Romano disse...

Este artigo é de partir a rir.Com música e tudo, ali está exemplificado o "regabofe" de quem nos governa presentemente.

Anónimo disse...

Fabuloso retrato!

james disse...

Esta cambada faz lembrar os acólitos de Américo Tomás quando visitava as Províncias Ultramarinas.

Lol.

Manuel Tiago disse...

Faltou acrescentar o mais importante.
Um deles, dos Horta e Costa, era presidente da ESCOM quando passaram por aquela empresa 30 milhões de euros, a caminho de offshores, relativos a "comichões" do "negócio" dos submarinos.
Outro, esteve envolvido no "negócio" da venda do prédio dos CTT em Coimbra