segunda-feira, fevereiro 04, 2013

"Estamos a perder instrumentos para fazer uma reestruturação de baixo custo, eficiente, rápida"

O economista Ricardo Cabral, professor na Universidade da Madeira, dá hoje uma entrevista ao Público. Eis algumas passagens:
    Acredita na capacidade de Portugal garantir um regresso aos mercados sustentado?
    A trajectória da dívida portuguesa é insustentável. Bastam pequenos desvios de um ponto percentual na taxa de juro média e de um ponto percentual na taxa de crescimento e a dívida, em percentagem do PIB, cresce, em vez de diminuir. E o problema não é só a dívida pública, é sobretudo a dívida externa. De facto, o ajustamento externo exigido é muito superior ao ajustamento orçamental: 13,6% do PIB entre 2007/08 e 2017, mais de três vezes a melhoria do saldo orçamental nesse período. Ou seja, o plano da troika é que um país, que nos últimos 236 anos teve somente sete anos com superávites comerciais, se torne num país com um desempenho no sector externo superior à média histórica da Alemanha, numa altura em que vários dos seus principais parceiros comerciais - nomeadamente a Espanha - estão a implementar programas de ajustamento com objectivos idênticos. (…)

    Não acredita que estejamos a ganhar competitividade com os cortes laborais?
    Não me parece que o país ganhe competitividade baixando os salários. Este sacrifício absurdo que estamos a fazer destrói a procura interna e em resultado está a destruir algumas das nossas empresas mais competitivas. Uma empresa exportadora não vive só do mercado externo, vive também do mercado doméstico. Temos empresas como a Bial ou a TAP que exportam, mas também têm receitas cá e têm fornecedores nacionais. Por isso, sofrem na pele as consequências de terem uma recessão económica grave cá em Portugal.

    (…)

    Se a dívida pública e a externa não são sustentáveis, como se explica que Portugal esteja aparentemente a conseguir ensaiar um regresso aos mercados?
    Deve-se notar que a operação realizada foi preparada pelo Governo português e é apenas uma gota de água num oceano de dívida a refinanciar (cerca de 1% da dívida total). É possível que o Estado consiga, pelo menos no início, refinanciar-se nos mercados. Contudo, iludem-se aqueles que pensam que será possível o regresso aos mercados mesmo com o apoio da FEEF e do programa OMT. Não existe liquidez suficiente no mercado de dívida soberana nacional. Isto ocorre fundamentalmente porque os grandes investidores institucionais estão proibidos, pelos seus próprios estatutos, de adquirir a dívida nacional, que os impede de comprar títulos com rating lixo, que é o rating que a dívida portuguesa terá nos tempos vindouros. Na minha perspectiva, uma reestruturação de dívida é inevitável.

    Uma reestruturação juntos dos privados, somente?
    O sector oficial tem já um peso demasiado elevado no conjunto da dívida nacional e teria também de sofrer uma reestruturação de dívida, para minimizar as perdas que são impostas a todos os credores.

    E quanto mais rapidamente, melhor?
    Sim, até porque estamos a transformar dívida pública que é regida pela lei nacional em dívida que é regida por leis de Londres ou de Nova Iorque. Estamos a perder instrumentos para fazer uma reestruturação de baixo custo, eficiente, rápida, que foi o mecanismo utilizado no caso grego, em que fizeram a reestruturação de dívida em meses. Porquê? Porque a lei aplicável era a grega. No caso português era assim, mas estamos a passar uma quota-parte cada vez maior da nossa dívida para o sector oficial e a renegociação dessa dívida será muito mais difícil.

2 comentários :

Anónimo disse...

Agora que a banca nacional está cheia de dívida publica Portuguesa é que não haverá certamente nenhuma reestruturação.

Detonador disse...



É tarde demais para tudo! Agora é só esperar o estoiro, quanto mais depressa e mais destrutivo, melhor.