domingo, abril 28, 2013

Nem maioria, nem Governo, nem Presidente¹

• Pedro Marques Lopes, Nem maioria, nem Governo, nem Presidente:
    ‘A tolerância com o Presidente da República Cavaco Silva já faz parte da história da democracia portuguesa. Encolhiam-se os ombros quando ele se recusava a explicar lucros extraordinários numa compra e venda de títulos, assobiava-se para o lado quando, duma forma arrogante, afirmava a sua superioridade moral perante o comum dos mortais, engolia-se em seco quando ele promovia e apoiava patéticas conspirações contra um governo. - o episódio das escutas levaria num país minimamente civilizado à sua imediata demissão.

    A paciência esgotou-se quando Cavaco Silva insultou todos os portugueses afirmando que ia ter muitas dificuldades em não ir às suas poupanças ganhando apenas cerca de 10 000 euros mensais em pensões.

    Apesar de tudo, alguns preferiram não dar muito relevo a mais esse inconcebível desvario em razão das circunstâncias do País. Com a crise económica a acentuar-se, a crise política seria inevitável e, por isso mesmo, era importante preservar a imagem institucional do Presidente da República. No fundo, era necessário que o Presidente da República mantivesse a sua capacidade política para que fosse respeitado e se constituísse num mediador com peso num momento de extrema importância e fragilidade. Seria, e continua a ser, necessário construir pontes, gerir sensibilidades, criar consensos e, no limite, encontrar soluções de governo ou marcar eleições. Era fundamental que se percepcionasse o Presidente como equidistante dos partidos e das suas visões programáticas para que as suas decisões fossem vistas nos momentos decisivos como imparciais.

    A esmagadora maioria dos que tantas vezes votaram em Cavaco desistiram dele no episódio das pensões. Cavaco desistiu de ser Presidente da República, na quinta-feira, quando renunciou a representar todos os portugueses.

    Desistiu porque, de facto, desistiu de buscar consensos e optou pela mais radical das opções. Desistiu porque, numa altura em que todos lhe pediam que arbitrasse, ele decidiu colocar-se num dos campos. Desistiu porque se tornou na maior fonte de crispação política quando hipocritamente apelou ao fim dela.

    Cavaco Silva fez um discurso absolutamente irresponsável. Dividiu o País em dois, cavou com as suas próprias palavras uma trincheira e preparou-se para o combate dum dos lados. Que consensos pode agora promover? Que diálogos pode gerar ? Que confiança pode inspirar?

    Não, não vale a pena lembrar "os portugueses atingiram o limite dos sacrifícios" ou o "sobressalto cívico" de há dois anos e casar as frases com a presente "não se deve explorar politicamente a ansiedade e a inquietação dos nossos concidadãos". É náusea garantida. Também não vale a pena recordar a "espiral recessiva" de há apenas três meses. A falta de memória auto-infligida já não é propositada, é apenas desprezo por quem nos falha em tão decisivo momento. E não, também não é raiva pela incapacidade do nosso mais importante representante de não perceber o sentimento popular. O verdadeiro consenso que vai da esquerda à direita, de grande parte do seu PSD, dos seus próprios apoiantes, de todos os parceiros sociais. O consenso que rejeita a solução que agora é benzida por Cavaco Silva. A que, de forma clara e cristalina, ele acha que, apesar dos problemas, tem um saldo positivo. Um saldo positivo de miséria, de desemprego, de recessão, de incompetência, dum futuro sem perspectivas. Curiosamente, Cavaco vocifera contra as políticas de austeridade europeias e faz o tal balanço positivo das nossas. A irresponsabilidade é parente próxima da inconsciência.

    Mas que fique rigorosamente claro: ninguém lhe pedia que escolhesse um lado, que optasse por contestar ou mesmo demitisse o Governo. Bem pelo contrário. Apenas que actuasse como Presidente da República nas circunstâncias presentes. Que se pusesse acima dos partidos, que fosse um fazedor dos consensos, um conciliador de vontades.

    Mas Cavaco Silva não desistiu só de ser verdadeiramente um Presidente da República. Parece também ter desistido da Democracia. No dia 25 de Abril, na casa da democracia portuguesa, Cavaco Silva teve a ousadia de dizer que resultados de eleições nada mudariam, que "de nada valerá integrar o Governo ou estar na Oposição". Como se a decisão dos cidadãos de nada valesse, como se as opções dos portugueses devam ser desprezadas se não forem as consideradas certas por Cavaco ou a troika ou a Europa ou por quem quer que seja. Como se o povo não fosse soberano e tivesse que ser guiado por um qualquer iluminado.

    A maioria deixou de o ser, o Governo está em desintegração e desde quinta-feira nem Presidente temos. E ainda há quem diga que não estamos a viver uma crise política.’

¹ NOTA do DN: "Por lapso, este artigo esteve trocado com o de Alberto Gonçalves, entre as 01.16 e as 11.00. Pelo sucedido, pedimos desculpa aos leitores e aos autores."

9 comentários :

Anónimo disse...

O texto é do Pedro Marques Lopes, nao do Alberto Goncalves.

http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3189447&seccao=Pedro%20Marques%20Lopes&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco

Anónimo disse...

Apoiado

Zé da Seringa

Anónimo disse...

estava a achar esquisito isto ser do beto gonçalves. enganaram-se. é do marques lopes

Miguel Marujo disse...

a crónica é de Pedro Marques Lopes

Olimpico disse...

ALBERTO,o Sociologo da treta (?!)

Comeceu a lêr e vi logo que era impossivel, aquele "retrato" ser do Alberto. Este já não tem cura. É mais Salazarista que SALAZAR....

Pedro Marques Lopes, sendo um homem de direito, não os poupa...

Rosa disse...

Admiro a frontalidade de Pedro Marques Lopes.

Rosa disse...

Admiro a frontalidade de Pedro Marques Lopes.

Chapéu há muitos disse...



Que hipocrisia, francamente! Ou "santa ingenuidade"!


Aníbal Cavaco Silva deixou de ser o Presidente de todos os portugueses na própria noite fria em que fez o discurso da sua segunda vitória eleitoral!


Cavaco Silva já merece crítica severa desde 31 de Julho de 2008, estupefacção desde Setembro de 2009, repulsa desde Janeiro de 2011, punição política desde Março desse mesmo ano e combate cívico, sem tréguas, desde Outubro de 2012, em que não soube usar os seus poderes para impedir a catástrofe da consumação da REINCIDÊNCIA DE GASPAR NA VIOLAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA!


CAVACO SILVA É UM BONECO ARTICULADO SEM PRÉSTIMO ALGUM E UM EXEMPLO DE ANTI-PEDAGOGIA DEMOCRÁTICA E GRITANTE FALTA DE SENTIDO DE ESTADO, no mínimo, desde 2009 e só agora o Pedro Marques Lopes abre os olhinhos?


Porca miséria, esta confraria de comentaristas e analistas pré-Socráticos...

Corvo Negro disse...

Excelente (na minha modesta apreciação) este texto do Dr. Pedro Marques Lopes que oiço todos os Sábados na TSF. Quem assim escreve e com esta clarividência merece nota 20. Parabéns.