sexta-feira, maio 10, 2013

O momento em que o Governo foi obrigado a revelar o que queria manter escondido




• Pedro Silva Pereira, Salário zero:
    ‘Quando pensávamos que já tínhamos visto tudo, eis que o Governo tira da cartola mais um coelho: o salário zero para os funcionários públicos colocados no regime de mobilidade especial há mais de 18 meses. A ideia do Governo é simples: “não pagamos”.

    E estiveram eles reunidos tantas horas para isto!

    Tomei a iniciativa de suscitar esta questão na Assembleia da República, durante a audição ao secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino [ver vídeo acima], para avisar o Governo de que, mais uma vez, está a entrar em rota de colisão frontal com a Constituição da República. De facto, entre outras disposições relevantes, a Constituição contém uma regra muito clara: "todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho" (artigo 59º nº 1, alínea a)).

    A resposta do secretário de Estado foi surpreendente. Explicou ele que o entendimento do Governo era o de que a Constituição só garante aos trabalhadores o direito à retribuição "quando eles têm trabalho". Ora, como os funcionários colocados em regime de mobilidade especial (agora chamado "regime de requalificação") não têm trabalho distribuído, visto que o Estado não lhes arranja colocação nos serviços, esses trabalhadores, mantendo embora o vínculo laboral ao Estado, perdem o "direito ao salário" e, ao fim de 18 meses de sucessivos cortes na retribuição, entram em licença forçada sem vencimento (a menos que "optem" pela rescisão). A não ser assim, acrescentou, os funcionários ficariam a receber uma "renda" (sic) sem qualquer justificação. Eis aqui o fantástico racional deste raciocínio: o Governo acha que pode e deve tratar o salário destes trabalhadores como se fossem "rendas excessivas".

    Esta resposta extraordinária revela muito mais do que aquilo que diz: mostra que o Governo não cumpre a Constituição não tanto porque não a conheça mas sobretudo porque não a compreende. A verdade é que os mais elementares valores constitucionais, próprios de um qualquer Estado de Direito democrático, escapam totalmente à sensibilidade e ao entendimento de quem nos governa. E é por isso que o Governo está sempre a tropeçar na Constituição. É certo, num Governo que já fez dois orçamentos inconstitucionais talvez não fosse de esperar que alguém desse conta de mais esta inconstitucionalidade. Mas é pelo menos estranho que, em tantos conselhos de ministros de onze horas, nenhum dos ilustres membros do Governo se tenha lembrado de fazer esta pergunta: porque será que antes de nós nunca ninguém teve esta ideia, afinal tão simples, de deixar de pagar o salário aos trabalhadores?!

    Como é evidente, a ser aceite este novo paradigma preconizado pelo Governo ficaria reduzido a cinzas todo o edifício constitucional e legal sobre o direito dos trabalhadores à retribuição e sobre a própria segurança no emprego. Desde logo, a proibição do despedimento sem justa causa tornar-se-ia imediatamente "letra morta", contornada pelos patrões através do mecanismo da não distribuição de trabalho, seguido da "licença forçada sem vencimento", ou seja, do salário zero.

    O que o Governo pretende está à vista: exercer terrorismo salarial como instrumento de "chantagem" para alcançar o seu objectivo de 30 mil rescisões por alegado "mútuo acordo". Mas nenhum fim pode justificar este tipo de meios. Nem de acordo com a nossa Constituição, nem de acordo com os valores próprios de qualquer sociedade decente.

    E, por falar em sociedade decente, sempre gostaria de saber que democracia cristã é essa em nome da qual o dr. Paulo Portas disse traçar a sua "fronteira" na chamada "TSU dos pensionistas" ao mesmo tempo que deixava do lado de cá dessa fronteira medidas tão grosseiramente ofensivas de valores fundamentais como o corte retroactivo das pensões ou o salário zero na função pública. À medida que se vai conhecendo melhor o novo programa de austeridade que o CDS aprovou com o PSD - e com o ministro não eleito Vítor Gaspar - vai ficando cada vez mais claro que a linha traçada pelo dr. Paulo Portas é uma fronteira longe demais.’

9 comentários :

Rosa disse...



Excelente, Pedro Silva Pereira!

Anónimo disse...

Excelente PSPereira.
Não resta mais nada ao PS senão ir para a rua. É aí que eu quero ver o Seguro a lutar pelo país .

Carlos Sousa disse...

A constituição defende antes de mais, uma igualdade dos cidadãos perante a lei e o estado.

Acha que alguma empresa privada mantém os seus funcionários, 18 meses a receber um salário, sem que retribuam com o seu trabalho, apenas porque não lhes consegue distribuir trabalho?

Acha que alguma empresa que pague os 18 meses ao trabalhador, mesmo sem ele retribuir, depois desses 18 meses lhe iria continuar a pagar?

Acha que se a empresa o fizesse estava a defender o seu interesse, e o de todos os restantes trabalhadores que recebem o seu salário porque contribuem com o seu salário...? Ou que é economicamente sustentável?

Viver num país de faz de conta foi o que nos trouxe a esta situação...

Anónimo disse...

O Silva Pereira é que devia ser o "Maestro"... mas há-de chegar lá

Zé Boné

Anónimo disse...

Espero que os costumeiros votantes desta cambada de desmiolados, tenham aprendido , de vez, que eles nãso têm um pingo de sensibilidade social. Na hora do voto lembrem-se do "cisma grisalho".

Anónimo disse...

carlos sousa, burrice ou ceguice?

Nos privados se nao tem trabalho despedem os trabalhadores, pagam-lhe os seus direitos, e este tem direito ao fundo de desemprego.Coisa que estes estarolas tentam não fazer com os seus funcionarios.

Anónimo disse...

carlos sousa é mais um dos coitados que engoliu a conversa dos "previligiados" da função publica, sem fazer a minima ideia de como de facto são as condições de trabalho em funções publicas, nem de como funciona um contrato em funções publicas.
Mas não faz mal, mesmo sem perceber vai arrepender-se de os ter invejado, quando á pala dos cortes de salários e despedimentos na função publica , perder o seu próprio emprego.
Ou acha que é o salário minimo que se ganha no privado que sustenta os empregos actualmente existentes?
que sustenta o SNS e a educação gratuita? que sustenta as pensões que os seus familiares mais idosos recebem?
é a função publica que sustenta o estado social neste país, vejam se percebem isto a bem, porque a mal vai ser bem pior, e para todos, não só para os funcionários publicos.

Tiago Oliveira disse...

Oh Dr. Silva Pereira, defenda-nos!!!

T.O.

Anónimo disse...

O que eu tenho mesmo, mas msmo muita pena é que o PS não assuma o seu passado, Como podemos saber para onde vamos, se não sabemos de onde vimos??