segunda-feira, março 31, 2014

Entre a narrativa oficial e a realidade


• Manuel Pinho, Vale a pena criar consensos?:
    «(...) A narrativa oficial é de que, primeiro, a crise não é sistémica, mas é culpa do anterior governo. Segundo, o euro serve igualmente todos os países que a ele aderiram, as suas regras de funcionamento são sagradas e o Banco Central Europeu (BCE) agiu bem durante o pico da crise. Terceiro, a estratégia de resolução da crise era a única possível. E quarto, Portugal está melhor por mérito de quem precipitou a crise em 2011 e aplicou, em dose reforçada, a receita da troika. O papel da Alemanha não é questionado, antes pelo contrário.

    Porém, há quem tenha uma visão diferente. Primeiro, a crise do euro é sistémica e foi amplificada pelo BCE (o resultado teria sido diferente se não tivesse esperado até 2012 para alterar a sua política). Segundo, a estratégia de resolução teve como base o pressuposto de que os ajustamentos orçamentais podiam ser expansionistas mesmo no curto prazo. Terceiro, os agentes políticos internos foram incapazes de se entender relativamente a uma solução que poderia ter tido custos muito menores (comparar Portugal com a Espanha, onde a direita e a esquerda se entenderam para evitar pedir ajuda à troika). E quarto, os resultados foram muito piores do que o previsto. Esta visão questiona o papel da Alemanha, que acima de tudo quer uma taxa de câmbio hiperdesvalorizada que permita à sua fantástica máquina de exportação conquistar o mundo, no que está a ter sucesso porque conseguiu um excedente da balança de pagamentos maior do que a China. De tal forma que a Alemanha não se pode dar ao luxo de que o euro acabe.

    (…)

    Os números mostram que a crise do euro é sistémica. Olhando para a situação de Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda, verifica-se o seguinte comparando os anos de 2007 (crise do subprime), 2010 (crise da Grécia) e 2013:
      • Balança de pagamentos: em 2007, os quatro países tinham um elevado défice da balança de pagamentos que financiavam em grande parte nos mercados internacionais, os quais se fecharam bruscamente a seguir à crise da Grécia em 2009-10 porque os políticos transmitiram informação totalmente contraditória. Em 2013, a brutal compressão da despesa teve como resultado a eliminação dos défices da balança de pagamentos em todos estes países. Não há nenhum "milagre das exportações" específico a Portugal;
      • Despesa pública: em 2007, os quatro países tinham uma despesa pública inferior à média da zona euro. No caso da Espanha e Irlanda era inferior à Alemanha. Na altura, França, Holanda, Áustria, etc. já tinham, e continuam a ter, uma despesa pública superior a Portugal;
      • Défice orçamental: em 2007, Irlanda e Espanha tinham um excedente no saldo orçamental e Portugal tinha o menor défice desde há muitos anos. Em 2010, a situação orçamental dos quatro países tinha mudado fruto das políticas expansionistas para contrariar a recessão global e da necessidade de absorver perdas dos bancos. Em 2013 os défices orçamentais baixaram, porém ainda estão em todos os casos longe do exigido pelas regras de funcionamento do euro;
      • Dívida pública: em 2007, Irlanda e Espanha tinham uma dívida pública baixíssima e a de Portugal era inferior a 70% do PIB. Em 2007-10, a dívida pública aumentou vertiginosamente, tendo este processo continuado até 2013. A estratégia errada de resolução da crise levou a dívida pública a níveis muito dificilmente sustentáveis;
      • Taxas de juros: como é típico dos ataques especulativos, as taxas de juro da dívida pública subiram violentamente atingindo níveis que nada tinham que ver com os fundamentals, mas agora estão a cair a pique, de tal maneira que a Irlanda acaba de se financiar a 10 anos a 2,9%, uma taxa inferior à que pagava em 2007 quando a sua dívida pública era metade do que é hoje. O que mudou? A política do BCE. Quando mudou? Apenas em 2012. (…)»

1 comentário :

Anónimo disse...

Acabe-se com a raça, porra

Farto deles desde 1919

Zé Boné